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Ajoogún Ikú o que comanda os trânsitos dos mundos...


 Muitas pessoas já me recorreram diante de situações de doença e/ou morte dos seus entes queridos. Sei que as pessoas procuram o Bàbáláwó buscando o alento de Orunmila Ifá para as dores que tomou as pessoas que elas mais amam. Bàbáláwós ou Iyáláwós não são seres super poderosos, eles tem apenas a capacidade, o dom, ou mesmo o conhecimento de acessar uma tecnologia que em todo momento é a favor da vida.

Orúnmila Bàbá Ifá é aquele que protela o dia da morte, o que salva e cura as pessoas de suas doenças. Em meio ao sofrimento de várias pessoas me pedindo socorro em nome de Orunmila Ifá confesso que nem sempre fui bem sucedido. Tenho consciência que não foi por falta de competência as vezes que não fui bem sucedido em livrar alguém da morte usando da tecnologia que é Ifá.
Até porque muitas pessoas já tiveram suas vidas revitalizadas através do poder (ase) de Orunmila Ifá que carrego e que todo Bàbáláwó e Iyáláwó também carrega. Carregar um determinado asé, ou um conhecimento não nos torna isentos do fracasso e até mesmo da derrota. Ifá não é sobre ser vitorioso sempre. Ifá é sobre tomar consciência diante das coisas e fazer com que elas tenham sentido de vida e de existência.
A lógica do bem sucedido que tomou o mundo moderno não se cerca do Ifá. Porque Ifá não é sobre ser bem sucedido, mas sim sobre bem viver. E bem viver é viver a vida no limite exato das nossas próprias escolhas. O sentido mesmo da vida para Ifá é viver bem o que se escolheu para si.
Uma certa feita uma pessoa me procurou, sua irmã estava internada com comprometimentos dos rins já em estado avançado. Consultei Ifá para a situação. Ifá recomendou proceder o ebó e conforme o Odu que apareceu na consulta oracular, foi orientado que Bàbá Egungun deveria ser ofertado em nome da pessoa que estava em situação de adoecimento.
Sete dias após as obrigações feitas pelas orientações de Ifá a pessoa recebeu alta e pode ir para casa. Os familiares vieram me agradecer e eu disse: eu aceito o agradecimento em nome de Ifá, mas fulana só teve uma melhora para passar um tempo com vocês e despedir de todos com alegria. Quinze dia depois a pessoa veio a falecer. Ifá foi bem sucedido ao tornar possível que a pessoa tivesse mais uma vez com seus familiares antes de cumprir seu destino.
Em uma outra ocasião, a pessoa estava internada com caso grave de COVID, isso foi recentemente. O Odu sacado dizia que o ori da pessoa estava profundamente perturbado e que ela estava relutando diante da situação de morte. Ifá recomendou que fosse realizado ebo e que Iyami fosse apaziguada. O Odu estava em ire aiku e no entanto o mesmo revelava uma relutância do ori entre o processo de vida e de morte. O que Ifá orientou foi realizado.
Porém a pessoa recebeu alta após a realização desse feito e dois dias depois foi internada novamente em estado grave. Ifá também permitiu que a pessoa levantasse do leito para despedir dos seus familiares. O ire aiku que estava no Odu que apareceu na consulta oracular sinalizava que a pessoa estava com ire de longevidade de vida para fazer uma boa passagem.
A morte é algo apavorante para os Ocidentais. Não se deve esperar que a tecnologia que os Bàbáláwó e as Iyáláwós dominam controlam Ikú. Ikú não é Orisa e por isso ele mesmo é sem vida e também incontrolável. Nossos feitos podem driblar Iku e ele(a) aceitar o prolongamento da estadia da pessoa na Terra. Iku mesmo ceifa vidas em nome de Olodúmáre.
No entanto, a função de Ikú dada por Olodúmáré é comandar o trânsito dos mundos. Os percursos das coisas que vão e vêm. Que estão sempre indo e sempre voltando. A vida e a morte na cosmopercepção iorubá é um ciclo sem fim. Ou um ciclo que está sempre começando e terminando. O ajoogún Ikú é tomado por este mistério que entrelaça vida e morte em uma coisa só. Compreender este entrelaçamento é também se ocupar das dinâmicas da vida que não estão fixadas no entendimento que muitas vezes carregamos do que a vida é. Se você entende a vida, entenderá a morte.
O que ocorre é sempre um diálogo a favor da vida. Nossos poderes (o ase que possuímos) não é capaz de determinar o que queremos para o outro. Isso está sempre nas mãos de Olodúmáre mediado pelos orisas. O Orisa Orúnmila Ifá que é a divindade do destino e da destinação das pessoas comanda o percurso dos humanos juntamente com Ori.
O que quero dizer é que a morte também é uma escolha que fazemos antes de sair do Orún. Escolhemos voltar em uma determinada ocasião de uma morte qualquer. Existe um Ori maior, celestial que está sempre no comando exato da vida de cada indivíduo. Ao mesmo tempo que Ori seja ele mesmo um Orisa, uma divindade pré-existente oriundo do próprio Olodúmáré. Ele é também fragmentos de ori individuais presente em cada ser criado.
Para que Ori exista Orúnmila Ifá e Elegbara o acompanha enquanto os orisas possibilitam a jornada. Nestas travessias da vida, o Ajoogún Ikú entra em cena para mediar os processos da vida. Nem tudo é sobre-vida como a gente imagina. O ajoogún Ikú e todos demais ajoogúns assim como cada um dos orisas, alicerça o percurso de vida enquanto perambulamos pelo mercado - mundo. O Aiye é um mercado feito, o tempo todo em movimento, para que o acontecimento vida e morte ocorra.
É sempre um mistério o nosso retorno a massa cósmica. Mistério que não dominamos em hipótese alguma sua totalidade. Tentar salvar vidas é sempre uma tentativa a favor da própria vida. Mas essa tentativa é uma decisão que nós Bàbáláwós e Iyáláwós tomamos diante do desejo do outro. Nenhum Bàbáláwó ou Iyáláwó pode ser cobrado por não ter sido bem sucedido no seu esforço de salvar uma vida.
Da mesma forma que um médico que fez todo esforço para um paciente viver pode ser culpado por não ter sido bem sucedido. Nenhum humano tem poderes para determinar o acontecimento de vida e morte de alguém. Nascemos e morremos como dádiva da vida que o Criador concede a cada um de nós. Entender a morte é exigência de cada enyan (humano), da mesma forma que ele precisa entender a vida. A espiritualidade Ifá e outros caminhos de vida espiritual existe para nos possibilitar este entendimento.
A morte não é o fim para aqueles que praticam o mistério (mariwo). É nosso dever sempre interceder pela vida e isso não quer dizer que seremos sempre bem sucedidos. Iku não é uma força que se vence, mas é uma energia pré- existente que nos convoca sempre ao diálogo. Este diálogo é realizado por uma série de intermediadores denominados orisas e claro de certa forma os próprios ajoogúns.
Os orisas mesmos são força de vida e de acontecimento vital para as nossas vidas. Os orisas são o contrário dos ajoogúns. Os ajoogún são efeitos de guerra em nós, enquanto os orisas são expansões de vida em nós. Os Ajoogúns causam guerra em nós mesmos na busca pela luminosidade expansiva que é orisa. A vida na Orisalidade acontece como resultado dessa expansão de luz em nós. Iku a morte é um ajoogún e não um orisa. Os orisas são eles mesmos acontecimentos de vida e plenitude.
No entanto, Iku não é inimigo do Orisa e nem tão pouco Orisa é inimigo de Ikú. Orisas e Ajoogúns são princípios de forças de Olodúmáré que embala o acontecimento da vida e da morte, ou seja, do equilíbrio das coisas. Equilíbrio no sentido mesmo da manutenção das polaridades, das dualidades e da própria diversidade pela qual os acontecimentos perpassam. Ikú na verdade é uma divindade originária do próprio Olodúmáré com a incumbência de determinar o tempo da estadia de humanos e não - humanos no Aiye.
Tudo que vive foi feito para morrer, nada é eterno. Saber lidar com a efemeridade das coisas é compreender a beleza e a importância de Ikú entre nós. Quando entendemos o sentido da morte e que somos seres para a morte, a vida torna acontecimento e nossa estadia no mundo pode enfim ser carregada e repleta de sentido. Este sentido é o sentindo mesmo do porque viemos, porque estamos aqui e para onde vamos.
Que Iku não nos alcance antes da nossa hora. Que nossas vidas não sejam ceifadas por acaso. Mas que saibamos aproveitar nossa estadia neste grande mercado que é o Aiye. Que essa estadia não seja um mero acontecimento e que não façamos das nossas vida uma coisa qualquer. É preciso compreender a existência como algo sublime para se ocupar do próprio sentido da vida enquanto se vive profundamente.
Quando Olodúmáre criou o Aiye ele estava pensando em um lugar para suas criaturas os enyan, humanos e não-humanos desfrutarem com alegria suas benesses. O próprio Olodúmáré é um Deus / Deusa ocioso, Ele é criativo e adora o desfrute. É neste sentido que a vida plena só pode se vivida e entendida quando a plenitude das formas singulares de vida toma cada um de nós, a nossa maneira. É quando sabemos conduzir nossas vidas tal como um ócio criativo, que então podemos viver a vida plena. É isso que é viver e é isso que é morrer.
AJÍ PA ÖJÖ IKÚ DÀ, BÀBÁ MI ÀGBÖNNÌRÈGÚN
Bàbáláwó Adèlóná Sàngówàlé é líder do Egbe Ifá Agboniregun a ti Ile Asé Sàngó Iya Omi Osún em Senador Canedo - Goiás. Idealizou o Coletivo Faraimará que é composto por Bàbáláwós, Iyáláwós, Iyanifas, Olorisas, Babalorixás e Iyalorixás do Brasil inteiro. É psicólogo, antropólogo e filósofo. É também Mestre em Antropologia Social e atualmente realiza doutoramento em Antropologia Social pelo PPGAS/FCS-UFG.

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