Aconteceu que, um certo dia, apareceu uma mulher com uma amiga até o meu terreiro. Elas pararam o carro de luxo na minha porta. Ouvi palmas. Deixei o meu altar como mostra a foto, todo limpo e organizado como sempre faço, cuido todos os dias.
Fui atender. Eram duas mulheres bem vestidas, de óculos de sol, loiras e com unhas postiças bem compridas. Elas ficaram olhando em volta mascando chiclete. A menor delas, perguntou se era eu o dono da casa, o Zelador ou Pai de Santo, isso pra mim é indiferente, nunca gostei de títulos, respondi que sim.
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Eu as convidei para entrar. Elas continuaram fazendo caras e bocas. Pedi para que tirassem os óculos de sol, pois ali, o meu terreiro era e é sagrado.
Elas obedeceram.
As conduzi até a sala, onde vocês podem observar na foto, onde está o meu altar.
Pedi para sentarem. Elas olharam para a cadeira de plástico com asco. Perguntei o que elas queriam, as mesmas responderam que desejavam fazer um trabalho de amarração amorosa.
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Respondi que não fazia esse tipo de trabalho. Eu expliquei que o meu trabalho era e ainda é ajudar os guias, os mentores espirituais na evolução do médium. Elas olharam uma para a outra e deram uma risadinha amarela. Fingi não entender a risadinha inconveniente.
A mais alta, falou com desdém:
"O senhor aceita quanto? Não tem como recusar, impossível, olha só essa casa, olha o seu altar, essas imagens sem graça, tudo barato, isso aqui não é uma casa de luxo, é uma favela, um barraco. Pagamos o que você quiser. Damos até um apartamento para você, não, melhor, mandamos reformar essa nojeira que você diz ser terreiro, mas é um horror. Olha essas cadeiras, de plástico. Então, qual é o seu preço?"
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Eu respirei fundo, olhei ambas bem atentamente e falei:
"Não se brinca com o sagrado, não se zomba de imagens sagradas. Eu moro muito bem na minha favela, não tenho vergonha da minha casa, do terreiro que os meus guias, meus Òrìsàs me deram com muito amor e carinho. Axé não é viver no luxo, o axé de verdade é deitar a cabeça no travesseiro e dormir bem em saber que nada de ruim uma pessoa fez para o próximo. Posso não ser rico, minha casa pode não ser luxuosa, meu altar pode não ser impecável e minhas imagens podem não ser as mais lindas pra vocês, mas é isso tudo que tenho de muito simples que me faz ter dignidade, saúde e respeito pelo meu sagrado e pelas pessoas. Vocês vão voltar aqui e serão minhas filhas, pode apostar."
Elas foram embora.
Soube depois de um tempo que, elas fizeram a amarração amorosa. Tudo ficou um terror na vida delas. Durante sete anos elas não apareceram. Foi então que ouvi palmas. Fui atender. Eram duas mulheres loiras. Elas haviam retornado.
Agora estavam de táxi.
Não usavam óculos de sol, roupas de grife, unhas postiças e nem carregavam a soberba no nariz.
Entraram com muita humildade. Sentaram nas cadeiras de plástico brancas, as mesmas de anos atrás. Explicaram que tinham levado um golpe de um Pai de Santo. Estavam endividadas. A casa de luxo a qual foram havia sido vendida. O charlatão havia fugido, a casa era de um amigo cúmplice dos golpes.
Elas pediram a minha ajuda. A amarração amorosa que fizeram tinha dado errado. Os homens estavam agredindo cada uma delas.
A que no passado desdenhou do meu altar olhou para ele e chorou. Se sentiu envergonhada. Ambas pediram perdão para mim pela atitude rude e abjeta que tiveram há sete anos. Eu as perdoei.
Desfiz a amarração.
A vida de ambas ficou mais leve. Elas começaram a frequentar o meu simples terreiro. Elas se tornaram minhas filhas de Santo. Ambas eram filhas de Yemoja, a Santa a qual está no meu altar que elas zombaram no passado.
Elas sentiram o acolhimento, o amor, o respeito, a honestidade em minha casa. Casa essa que abriga trinta pessoas junto com elas, mas todas bem de saúde, empregadas, satisfeitas e com a consciência tranquila. Não é porque a minha casa é simples que não têm prosperidade. Prosperidade vem de dentro para fora.
É como sempre digo:
Muitos têm tudo de material, luxo, muitas riquezas, mas não tem PAZ DE ESPÍRITO. Axé não é apenas ter dinheiro, ter fama e se colocar como Deus, mas ter a certeza que estamos aqui apenas de passagem e aprender a ser LUZ nessa terra de nossos amados Òrìsàs.
Texto de Thau Ãn
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