Recentemente, temos encontrado bastante conteúdo sobre o ideograma de origem africana chamado de "Sankofa" que, segundo Abdias do Nascimento, pode ser traduzido como "“retornar ao passado para ressignificar o presente e construir o futuro”. Pensando nisso, resolvi olhar para a nossa história, permiti que meus olhos fossem guiados pelos rastros deixados por aqueles que retornaram para Mpemba e decidi tentar dar visibilidade para a memória de alguns dos nossos ancestrais.
Entre os anos de 1940 e 1950, período que poderia ser considerado como os anos dourados do Omolokô no Rio de Janeiro, vimos a ascensão de um dos nomes que, talvez, tenha sido um dos mais falados na história da Makumba: Orlandino Pimentel, também conhecido como Orlandino do Cobra Coral. Pai Orlandino era um dos mais famosos Babalorixás da cidade, nutria uma amizade com Tata Joãozinho da Goméia, seu terreiro era frequentado por pessoas célebres e suas atividades foram transformadas em notícias veiculadas por diversos jornais e revistas da época.
Antes de 1930, Orlandino do Cobra Coral iniciou-se no Omolokô pelas mãos de Mãe Chica Boi de Iansã. Chica Boi foi uma mulher africana iniciada no mesmo barco de Tia Chica de Vavá pela também africana Maria Batayo em um período estimado entre os anos de 1890 e 1900. Tanto o nome de Chica Boi como o de Tia Chica de Vavá estão presentes em diversas reportagens dos jornais que relatavam a vida dos makumbeiros na região do Centro do Rio conhecida como Pequena África.
O Babalorixá Orlandino Pimentel fora dirigente do Centro Espírita São Jerônimo, onde o Caboclo Cobra Coral conduzia giras e festividades que marcaram o cenário afro-religioso àquela época. Uma dessas muitas celebrações foi fotografada e descrita pela Revista "O Cruzeiro", onde somos convidados a uma experiência de contato com as vestimentas, com o espaço físico, com as próprias entidades de Orlandino manifestadas em seu corpo e com a Makumba que era praticada naquele tempo.
Em frente a um lindo Peji, os Filhos de Santo, Sambas, Cambones e Ogãs se organizavam e ritualizavam a sua fé nas divindades africanas e nos espíritos de seus poderosos mortos que retornam para apoiar a comunidade. Em meio as curimbas, embalados pelo som do toque dos atabaques, envolvidos pela fumaça dos charutos, movimentados pelas danças sagradas, enfeitados por roupas coloridas, de pés no chão e carregando 21 panelas sobre suas cabeças, os filhos de terreiro serviam uma mesa onde um enorme banquete de comidas de azeite seria compartilhado entre os presentes.
O "Babalaô" (como eram chamados alguns sacerdotes naquela época) Orlandino dizia ser praticante de uma Umbanda de três nações: Almas, Angola e de Jurema. No morro de São Lourenço, Orlandino do Cobra Coral construiu seu Quilombo onde praticava e difundia tradições ancestrais de origem bantu e ameríndia. Além do Caboclo Cobra Coral que era o guia chefe do terreiro, Pai Orlandino trabalhava com "Pai Domingos" e "Exu Tiriri" que eram muito procurados pelos frequentadores daquela comunidade de terreiro. Há relatos sobre terem sido distribuídos cerca de 3.000 brinquedos para as crianças da região à ocasião da celebração de Ibeji e Cosme e Damião.
Em 1949, Orlandino Pimentel se suicida deixando um enorme legado que segue vivo através de seus descendentes que ainda preservam suas práticas na Baixada Fluminense. Orlandino é exemplo de ancestral-vivo que influenciou o que conhecemos hoje como Umbanda e Makumba. Se quisermos falar sobre Umbanda, precisamos olhar para a história de personagens como Orlandino do Cobra Coral e reconhecer que há muito trabalho para ser feito.
Sabemos que existe um projeto de controle da narrativa e de manutenção da hegemonia que é estrategicamente desenvolvido por aqueles que higienizam e embranquecem a Umbanda. Esse mesmo projeto vem negando o protagonismo da História aos verdadeiros ícones históricos que continuam sendo empurrados para a invisibilidade. Olhar para trás é perceber que precisamos valorizar e trazer a tona os nomes dos nossos heróis civilizatórios. Então, voltemos os holofotes para aqueles que são os nossos alicerces.
Viva Orlandino do Cobra Coral!
Rodrigo Cassano.
FONTE Lucca Schaittzer .
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