Da mesma forma que se cultuam os Bàbá Égún na nação Kétu, os Caboclos, considerados como os ancestrais brasileiros, são reverenciados mais especificamente no ritual de Angola. Porém, o culto aos Caboclos está difundido em muitas Casas de Candomblé de diferentes nações, incluindo Kétu.
É difícil estabelecer uma classificação para os Caboclos, que podem ser masculinos ou femininos, originando-se de várias tribos, como tupi-guarani, caiapó, aimoré, xavante. Seus nomes também são brasileiros, como Pedra Preta, Pedra Verde, Sultão das Matas, Sete Flechas, ou nomes de origem indígena, como Coaraci, Ubirajara, Araúna, Jupiara.
Ao se observarem certas cantigas de Caboclo, percebem-se constantes referências a uma terra misteriosa, que é sempre evocada como um lugar maravilhoso e inacessível:
"Pedrinha miudinha da Aruanda ê
Lagedo tão grande da Aruanda ê"
Aruanda é uma deformação da palavra Luanda, nome de um porto situado na costa de Angola. Esse termo se encontra numa outra cantiga:
"O Luandê, o Luanda,
Luanda é terra de Caboclo
O Luanda"
Aqui temos outra alusão a esse porto africano. A recordação dessa terra de origem, transformada em Aruanda, a pátria dos Caboclos e também de ancestrais africanos, é a cristalização de uma imagem ideal, de um paraíso perdido, de onde esses ancestrais vêm para ajudar seus descendentes.
Na Gomeia de São Caetano, na véspera da festa de Seu Pedra Preta, o famoso Caboclo de Pai Joãozinho da Gomeia, uma procissão de iniciadas descalças ia buscar água numa fonte, situada do lado de fora do terreiro. Elas voltavam, carregando na cabeça as talhas cheias. Os atabaques ritmavam o andar da fila até o pé da juremeira no meio do quintal.
O dia seguinte se passava em preparativos: bandeirolas eram esticadas entre as árvores, gambiarras iluminavam a roça. Perto da juremeira era colocado um chapéu de palha com fitas amarelas e verdes, nas cores da bandeira brasileira.
À noite, depois de despachar Èṣù, a roda se formava e dançava-se um ṣiré de três cantigas para cada Òrìṣà. Em seguida, os Ọ̀gán começavam a cantar cantigas de Caboclo em português. Era a hora do Seu Pedra Preta chegar, para a alegria geral. Ele dançava um pouco e ia se vestir. Voltava paramentado de penas de todas as cores, e depois se dirigia para a juremeira.
Seu Pedra Preta sentava-se ao pé da juremeira, num banco de pedra. Conversava com uns e outros, dava consultas e conselhos sobre os problemas da vida particular de cada um. Ele se expressava por figuras e provérbios populares, entendidos por todos.
Os atabaques não soavam mais. Os Ọ̀gán formavam um novo conjunto, com pandeiros e violas. Seu Pedra Preta trocava o cocar pelo chapéu de palha com as beiras rasgadas; começava-se um samba-de-roda, e todos eram chamados para dançar.
Outros Caboclos podiam aparecer, incorporando-se nos filhos da Casa ou nos convidados. Dançavam, cantavam, davam conselhos e avisos. Às vezes, um deles se afastava e ia colher no mato umas folhas que dava a um doente para preparar um remédio. Um outro soprava a fumaça do charuto sobre o corpo de uma pessoa, para livrá-la de más influências. O povo fazia fila. Seu Pedra Preta só ia embora quando o dia clareava.
Tanto no culto dos Bàbá Égún como no culto dos Caboclos, o povo do Candomblé procura cada vez mais por suas raízes e continua venerando seus antepassados, neles encontrando forças para lutar, crescer e, assim, continuar preservando a riqueza da herança cultural africana.
— Mãe Gisèle Omindarewa em "Awô: O Mistério dos Orixás", 2006, p. 207-210.
[Na foto, Seu Pedra Preta em Pai Joãozinho da Gomeia. Pertence ao acervo pessoal de Tata Odekeua.]
# Publicado por Carlos Wolkartt em 14 de maio de 2021, às 12h25.
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