Realmente o rito da "raspagem" que antecede a "feitura" em si do iniciado, é um ponto que desagrada à muitos; pois ao que já vi, muitos querem entrar para o culto mas não entendem a importância da raspagem do cabelo durante esse rito; onde poderíamos enumerar uma série de restrições e conceitos pessoais que ignoram e os levam a abominar e muitos bàbás e ìyás aceitarem o seu gosto:
ANTIESTÉTICO: PRINCIPAL MOTIVO DE MUITOS EVITAREM; PRINCIPALMENTE AS MULHERES, QUE POR VAIDADE SE NEGAM À RASPAGEM DO PRÓPRIO CABELO.
CONVÍVIO SOCIAL: ALEGAM QUE SERÃO EXCLUSOS OU VISTO COM "AR DE DOENTE".
O DESCONHECIMENTO DE CAUSA: NÃO SABEM O MOTIVO DE TUDO QUE SE REALIZA DURANTE TODO O PROCESSO RELIGIOSO (FUNDAMENTO); ONDE CABE A CULPA, PRIMEIRO AO DIRIGENTE ESPIRITUAL, DE INICIAR ALGUÉM QUE NÃO ACEITA OS PRINCÍPIOS DA RELIGIÃO (DOUTRINA), E SENDO ASSIM, NÃO ACREDITANDO NÃO INTEGRARÁ NADA À SEU ORÍ E ÒRÌSÀ.
Acredito esses itens acima, serem os principais fatores que entram em contestação com o rito da raspagem. Agora vamos entrar na questão, motivo:
Para se "NASCER", precisa-se "MORRER"; toda restituição traz consigo uma destruição ou desintegração de matéria individualizada para agrupar-se à matéria coletiva. Compreende-se que o rito de iniciação durante o qual o noviço é despojado de toda sua individualidade a fim de se integrar na sua MASSA DE ORIGEM, para renascer como uma PORÇÃO-DESCENDENTE dela. A raspagem dos cabelos e a manipulação significativa de cores-símbolos fazem parte dessa elaboração, sendo o despojamento do cabelo como o símbolo de desintegração individual, reproduz-se quando morre à ADÓSÙ. Os cabelos moldam o rosto, a personalidade do ser no àiyé, suas características pessoais e vaidades do àiyé; quando se "NASCE ESPIRITUALMENTE", integra-se o "DOUBLÉ" do indivíduo (sua massa de origem do Òrun) com sua matéria (massa) carnal. É a integração de dois elementos, e para se integrarem, o noviço assume uma NOVA VIDA, ENERGIA; o qual crescerá (evoluirá) com as obrigações seguintes (revitalização do ÒSÚ), e fortalecimento de seu ORÍ (eborí). No momento da raspagem "PLANTA-SE O ÀSE" o àdósù no Orí, integrando e exteriorizando uma energia contida com elementos que compõem sua massa genérica e de seus elementos criadores (Òrìsà) e elementos do funfun (transmissão de vida, fecundação), èjá-vermelho (gestação, nascimento) e dúdù-preto (fixação com elementos do àiyé-terra). Obviamente Orí só adquire toda sua significação como entidade, quando "assentado" (plantada energia) em seu Àpéré (que contém os 3 poderes que permitem que a existência se realize e tenha um propósito, existência e propósitos colocados ao serviço, dirigidos e regulados por ORÍ (destino pessoal) e mobilizados por Èsù Bara). Èsù Bara não só move o destino, mas, transporta o àse, impulsiona a fisiologia de todo indivíduo, circulando em todas as cavidades da matéria diferenciada. O Orí é preparado como um ventre-fruto é fendido simbolicamente para receber o òsù. Essa pequena massa-cone, uma combinação de substâncias-signos, representação de elemento procriado, é colocada sobre o Orí, no lugar da interação simbólica faca-cabeça. Toda essa interação é colocada sob o controle de ÉSÙ. É ESÙ IDÓSÙ, que com seu òbe (faca), abrirá o caminho; ele despojará o noviço de sua vida interior e, como patrono do òsù, permitirá a transformação ou o nascimento de um novo Orí. Como diz a canção que sintetiza isso no momento:
FÁRÍ FÁRÍ AFÁ BÓLO BÓLO
FÁRÍ FÁRI AFÁ.
ELÉGBÁRA IDÓSÙ ÒUN MÚTÁN ÒÒSÀ OLÚKÚLÙKÙ.
FÁRÍ FÁRÍ AFÁ."
O barbeiro que raspa a cabeça muito lisa (como um ovo),
O barbeiro que raspa.
Elégbára Idósù que desprende Òrìsà diferenciados,
O barbeiro que raspa.
Portanto, sem a raspagem dos cabelos, fica-se impossível fazer a integração, exteriorizar sua energia interior com seus elementos criadores, fica impossível fazer o adòsú.
Existem casos raros, como no caso de abíkù que se faz desnecessário fazer a raspagem.
Iré O!
Miguel Solon Awo Ifaseun
SOU FEITO NO SANTO
Sim sou feito no santo
Raspei meus cabelos , encarei o olhar do preconceito e venci os meus maiores medos .
Sim, sou feito no santo
Dormi quando quis ficar acordado , fiquei acordado quando o que mais queria era dormir , comi sem sentir fome e senti fome quando não podia comer .
Sim , sou feito no santo...
Vivi a simplicidade , aprendi a humildade e ganhei o conhecimento .
Sim , sou feito no santo...
Aprendi a cantar , a rezar , e a AMAR aquilo que sempre foi motivo de medo e repúdio para os ignorantes .
Sim , sou feito no santo...
Conheci o desconhecido , sobrevivi ao um universo paralelo e descobri uma imensidão de aprendizado .
Sim , sou feito no santo...
Me arrepiei quando senti o poder da força do asé e me emocionei quando senti o tamanho do amor da minha fé .
Sim , sou feito no santo...
Eu chorei , eu ri , eu louvei , eu escutei , eu a baixei a cabeça e bati paó.
Sim , sou feito no santo...
Uso Kele , contra egun e cháoro .
Sim , sou feito no santo...
Dormi sobre o IBA , beijei meu IBA , admirei meu IBA , e fiz carinho em meu IBA , pois aprendi a amar o lar do meu orixa.
Sim sou feito no santo...
Vivi em um breve tempo uma vida que poderia ser escrita num livro , foram momentos únicos , oportunidades únicas e uma grande chance de poder ter a honra de vivenciar um momento tão único e especial dentro da religião afro .
Sim sou feito no santo..
Eu morri e renasci para uma vida que sem dúvida alguma é a melhor de todas. Pois vida sem fé , não se vive , somente sobrevive.
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