O príncipe africano viveu na Capital nas primeiras décadas do século 20, transitou na alta sociedade e consolidou as religiões africanas no RS. Foto: Autor desconhecido.
A história do príncipe africano Custódio Joaquim de Almeida, que viveu em Porto Alegre nas primeiras décadas do século 20, parece ainda ser pouco conhecida pelos moradores da cidade quase 100 anos após sua morte, ocorrida em 1935, aos 104 anos de idade. Conhecido como o “Príncipe Negro”, descendente do reino da República do Benin (onde hoje se localiza a Nigéria), na África teria se chamado Osuanlele Okizi Erupê. Na capital gaúcha, como príncipe Custódio, é apontado por ter sido o responsável pela criação do Bará do Mercado Público e o assentamento do orixá em outros pontos da cidade, foi frequentador do turfe no Prado Independência e se relacionou com figuras ilustres da Capital, como Borges de Medeiros e Júlio de Castilhos.
Atraída pela vida do príncipe em Porto Alegre, a historiadora Clara Martinez Falcão começou a pesquisar a vida de Custódio, de sua saída da África até chegar no sul do Brasil. A intenção, ela explica, é divulgar a história do “príncipe negro” e aproximá-la das escolas, inclusive para fazer valer a lei que trata sobre o ensino da cultura africana nas escolas brasileiras.
“Entre os colegas da academia, a história dele é conhecida, mas não é trabalhada nas escolas. Então tive essa ideia de contar um pouco a história do príncipe Custódio”, explica Clara, atualmente mestranda no programa de pós-graduação em História da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde pesquisa a história indígena.
A trajetória do príncipe africano que viveu por mais de 30 anos em Porto Alegre se cruza com muitos momentos importantes, como o colonialismo europeu e as conexões entre África e Brasil para além da escravidão – inclusive se acredita que a chegada dele ao Brasil tenha ocorrido logo após a abolição da escravatura, em 1888, um período marcante no País.
Do Reino do Benin para Porto Alegre
Para contar um pouco da história do príncipe e torná-la atraente em sala de aula, Clara utilizou uma ferramenta interativa, uma espécie de linha do tempo virtual. Na pesquisa, a historiadora diz que a data e o local de nascimento de Osuanlele Okizi Erupê é desconhecida, provavelmente no ano de 1831. Acredita-se que sua saída da terra natal, no final do século 19, tenha sido consequência da invasão britânica.
O príncipe deve ter entrado no Brasil pela Bahia, numa época em que Salvador era uma das maiores e mais importantes cidades do País. De lá, passou pelo Rio de Janeiro até entrar no Rio Grande do Sul pelo porto de Rio Grande, nos anos finais do século 19.
Clara destaca que a cidade de Rio Grande é conhecida, ainda hoje, pelos fortes vínculos com a cultura e religiões de matriz africana. Para a historiadora, essa ligação pode ter relação com a passagem do príncipe africano pela cidade, onde ele fundou casas para a prática da religião. “Muitos atribuem a ele a importância de ter fortalecido o batuque. É interessante pensar que essa região até hoje tem muitos praticantes de matriz africana”, comenta.
De Rio Grande, Osuanlele Okizi Erupê, ou Custódio Joaquim de Almeida, seguiu para Bagé, onde novamente fundou outras casas para seguidores de religiões de matriz africana. O príncipe era devoto do orixá ogum e, segundo a historiadora, também ficou conhecido em Bagé pelo domínio e uso de ervas medicinais. A cidade da campanha tem ainda hoje um bairro chamado Passo do Príncipe, em homenagem ao local onde ele morou.
Em 1901, o príncipe negro chega então a Porto Alegre e fixa residência num casarão na rua Lopo Gonçalves, nº 498, atual Cidade Baixa e, na época, denominada Areal da Baronesa. Desde antes da abolição da escravatura, a região era tradicionalmente ocupada pela população negra da cidade. Naqueles primeiros anos do século 20, o bairro era habitado por ex-escravos e afrodescendentes.
Na Capital, o príncipe manteve suas relações com os adeptos das religiões de matriz africana e chegou a ser tratado como babalorixá. Acredita-se que ele tenha sido responsável pelo assentamento do Bará no Mercado Público – nas religiões de matriz africana, o Bará é o orixá da abertura dos caminhos. Também se credita ao príncipe africano o assentamento de outro Bará, esse localizado no Palácio Piratini.
Nos anos em que viveu em Porto Alegre, Custódio transitou com desenvoltura pela alta sociedade da época. Se relacionou com Júlio de Castilhos e foi conselheiro do então governador Borges de Medeiros. A paixão pelos cavalos e o turfe, um esporte aristocrático de origem, o levou a frequentar o Hipódromo da Independência.
De acordo com a historiadora, Custódio teve oito filhos e, além dos familiares, viveu cercado por muitos funcionários. O príncipe negro morreu em Porto Alegre no dia 28 de maio de 1935, aos 104 anos de idade. Há versões que dizem que, ao morrer, ele teria cinco filhos: Domingos, Araci, Dionísio, Pulqueria e Joaquina.
Depois de criar o mapa virtual com destaques da presença do príncipe de Benin em Porto Alegre, Clara almeja agora fazer trabalho semelhante com outras personagens. Por ora, se satisfaz em colaborar no resgate dessa figura histórica de Porto Alegre, e quer que sua trajetória na Capital seja ensinada nas escolas. “Ele foi uma figura marcante, que merece esse conhecimento e divulgação”, analisa a historiadora.
Fonte Sul 21 13.02.2021 Luciano Veleda
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