Em 2008, pessoas adeptas de religiões de matrizes africanas foram expulsas do Morro de Dendê, na Ilha do Governador, por agressores que se afirmavam evangélicos. Como reação, surgiria a Comissão de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR) e a Caminhada pela Liberdade Religiosa. Esta última é uma manifestação anual na Avenida Atlântica que envolve diversos grupos religiosos em defesa do diálogo inter-religioso e do enfrentamento à discriminação.
Neste ano, a pandemia impedirá a realização da caminhada de forma presencial. Apesar disso, os organizadores prepararam neste mês uma mobilização virtual, com debates nas redes em favor da promoção do Estado laico e da liberdade religiosa. Afinal, a despeito do momento singular que vivemos, os ataques a terreiros e a proibição de práticas religiosas seguem presentes, gerando temor e intimidação nas comunidades.
Já não são novidade os ataques e violações que os praticantes de religiões de matriz africana vêm sofrendo na Baixada Fluminense. Impedidos de tocar, vestir ou mencionar suas crenças e cultos, muitas pessoas são impedidas de morar ou de retornar aos seus terreiros. O Estado brasileiro, que deveria garantir a presença dessas pessoas em suas comunidades, se omite gravemente no campo da segurança pública e, mesmo alertado pelo Ministério Público Federal (MPF), adota medidas insatisfatórias.
Após diversas tentativas de diálogo e convencimento, constata-se que as vítimas não têm perspectiva de volta a seus barracões. Os governos, por outro lado, negam possibilidades de reassentamento ou compensação pelos danos causados, os quais não são apenas materiais, mas também morais e espirituais. Isso revela, do ponto de vista institucional, uma faceta racista da discriminação religiosa.
A falta de respostas motivou em Duque de Caxias e Nova Iguaçu a organização de uma rede de vítimas, em parceria com a CCIR e com o MPF, para buscar, nas esferas cabíveis, a responsabilização do Estado brasileiro por sua omissão. De forma individual e coletiva, pretende-se demonstrar que a ausência de providências não só facilita os ataques a terreiros, mas também é um fator de estímulo a novas violações. Declarada a responsabilidade, surge o dever de reparação.
Julio José Araujo Junior é procurador da República no Rio de Janeiro
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