Se minha bisavó carnal (Mãe Myrthes de Iansã) estivesse viva, hoje, ela teria 114 anos de idade. Minha avó carnal (Mãe Maria Luiza de Iemanjá), se estivesse viva, estaria com 80 anos. Ambas foram Ialorixás que pertenceram a uma tradição de Umbanda Antiga que, atualmente, corre grande risco de extinção. Os ritos e práticas de diversas desses tradições antigas têm sido empurrados para a invisibilidade através de manobras históricas estrategicamente calculadas por pessoas que monopolizaram a Umbanda.
Antes de minha bisavó carnal (Mãe Myrthes) vieram minha bisavó de santo (Mãe Maria Coral), meu trisavô de santo (Tata Cai N'Agua do Oxossi), minha tataravó de santo (Mãe Mocinha de Oxum) e minha pentavó de santo (Tia Xica de Vavá de Iemanjá), sendo esta última uma mulher africana de origem Yorubá. Nossa árvore ancestral remete a um período de tempo de aproximadamente 180 anos. Ou seja, nossa realidade de prática de makumba é muito anterior ao que a história oficiosa tem tentado nos fazer acreditar.
Durante o meu processo formação Umbandista, eu não aprendi sobre o mito de fundação da Umbanda, porque minha avó acreditava que a Umbanda era uma religião de Matriz Africana e, portanto, sabia que a sua história estava diretamente associada ao processo de diáspora. Apesar disso, não desconsidero a participação de Zélio de Moraes no processo de desenvolvimento de diversas vertentes de Umbanda. Da mesma forma que, quando falo sobre história, eu prefiro me basear na trajetória dos ancestrais ilustres que compõem a minha família de santo.
m minha prática, a presença do culto às divindades africanas existe desde os tempos de Tia Xica de Vavá que, segundo registros, viveu em 1800 e tanto. Além disso, realizamos camarinhas, sacudimentos, recolhimento, amacia, sacrifício de animais, oferendas, etc. Utilizamos uma linguagem em nossas cantigas conhecida como turimba (mistura de palavras em tupi, yoruba, bantu e português). Nossas giras são acompanhadas por atabaques, sinetas, xequerês, palmas e até mesmo agogôs. Usamos baianas, capas, cartolas, espadas, bengalas, cachimbos, charutos, bebidas, batas, roupas coloridas, fios de conta e pulseiras. Temos uma ritualística própria fundamentada por pessoas antigas e que tem sido preservada pela oralidade através das décadas
Tudo isso não é coisa de ontem. Nada do que cito aqui foi inventado por gente que mal entrou no ônibus e já quer sentar na janela. O termo "ancestral" e a noção de "ancestralidade" nos faz reconhecer a importância do legado deixado pelos nossos mais velhos que já ancestralizaram. Não há como tentar medir as minhas vivências dentro da minha tradição a partir da perspectiva de pessoas que não a viveram. Então, considero prudente que cada um de nós olhe para a SUA PRÓPRIA HISTÓRIA com mais atenção para que possamos VALORIZAR a memória dos nossos antepassados.
A territorialidade Umbandista continuará tendo origem africana mesmo que tentem dizer que ela surge, sei lá... No Triângulo das Bermudas. Tentar estabelecer uma via reta para contar a história da Umbanda é, além de desonestidade, dar um tiro no próprio pé. A Umbanda é uma enorme encruzilhada e, por isso, as pessoas que se propõem a narrar a sua história precisam percorrer por todos os seus caminhos sem deixar nada para trás, fazendo sempre a autocrítica necessária e se comprometendo a contá-la com honestidade.
Somos o Povo da Pemba, de Ganga, do Kongo, de Angola, de Cabinda, de Kassange, da Fundanga, do Dengo, do Marafo, de Kalunga, de Lunda, da Engira, do Gongá, do Dendê!
Somos o Povo de UMBANDA!
Revista "O Cruzeiro"
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