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Apesar de criação de delegacia, templos de religiões de matriz africana são atacados até durante a pandemia no RJ.

Ivanir dos Santos diz que demonização dos ritos afro-brasileiros recomeça com crescimento de religiões neopentecostais. Historiador fala que religiões afro ajudaram a criar a identidade do brasileiro.


Nem mesmo a criação da Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi) no Rio inibiu atos de violência contra praticantes de religiões de matriz africana e seus templos, afirma o professor e babalorixá Ivanir dos Santos.

No mês da Consciência Negra, Ivanir lembra que, em plena pandemia, enquanto os centros estavam fechados, em dois meses foram registrados cinco casos de intolerância religiosa. Mas ninguém foi responsabilizado ou preso.


Os números evidenciam que a umbanda e o candomblé, principalmente - que eram considerados casos de polícia no início do século 20 - voltam a ser perseguidos. E seus seguidores sofrem cada vez mais com a intolerância religiosa, em pleno século 21.

Não são poucos os registros de centros e terreiros, objetos sagrados e até mesmo seguidores vilipendiados, destruídos e agredidos por quem não respeita a fé nas religiões afro-brasileiras.

De acordo com o Comitê de Combate à Intolerância Religiosa (CCIR), só em 2019 foram registrados 201 casos, o dobro do número de 2018.

Interlocutor do CCIR, Ivanir do Santos diz que esses ataques inclusive colocam em risco a aceitação de outros aspectos da cultura negra, como o samba, as vestimenta com motivos étnicos e até a culinária - na Bahia, o acarajé é chamado por evangélicos de "bolinho de Jesus". Para ele, nova onda de perseguição das religiões afro-brasileiras tem ligação política, de dominação.

"Era caso de polícia a até os anos 1920. Na década seguinte começou um movimento de aceitação. Mas dos anos 1990 para cá, com a ascensão das religiões neopentecostais, voltamos a sofrer uma perseguição política, de poder, de dominação. Até os anos 1980, éramos respeitados, ninguém destruía terreiros nem expulsava seguidores, principalmente do candomblé e da umbanda. Mas a partir do crescimento dos neopentecostais, inicia-se uma disputa de poder. Os pastores passam a entrar nos presídios, buscam a conversão de presos, se espalham pelas favelas, enquanto a espiritualidade africana começa a ser demonizada", disse o babalorixá.

Terreiros invadidos e incendiados

Em um dos casos de intolerância em 2020, na Taquara, na Zona Oeste, pessoas que se diziam evangélicas, invadiram o terreiro, chutaram as oferendas feitas aos orixás e, gritando frases como "fora Satanás", jogaram óleo ungido nas peças sagradas e no portão do terreiro.

Em outro registro, em Inhoaíba, também na Zona Oeste, a vizinha evangélica de um terreiro foi vista, à noite, colocando uma escada no muro e com uma vara de bambu para quebrar peças sagradas no terreno ao lado. Em Austin, em Nova Iguaçu, um incêndio destruiu completamente o centro de candomblé, que estava em recesso por causa da pandemia.

"Sem falar nos casos que não são levados à polícia por medo de represália, como agressões e expulsão das comunidades. Desde a criação do CCIR, me entristece constatar que avançamos pouco contra a intolerância religiosa. Por trás desses ataques sistemáticos, da demonização, do racismo religioso, do preconceito, tem se disseminado a disputa pelo mercado religioso. Ou seja, você cria um sistema onde o seguidores de religião de matriz africana se sentem envergonhados. E isso vira base para a conversão de pessoas que vão fazer parte desse outro grupo religioso que tanto nos persegue", disse o babalorixá.

Para o historiador Luiz Simas, quando terreiros e centros religiosos afro-brasileiros são atacados, mais do que objetos sagrados, perde-se uma parte da identidade brasileira. Principalmente, se se levar em consideração que a história do povo africano está calcada da oralidade.

"Os cantos de terreiros perpetuam saberes, costumes, modos de vida, de construir redes de identidade social. São extremamente importantes no processo de reconstrução das culturas africanas destruídas pela diáspora. O Rio de Janeiro é fortemente marcado pelo candomblé. As culturas africanas redefinem nosso modo de vida", disse o historiador quando da apresentação do projeto de lei que quer tornar o jêje (a língua nativa usada nos cultos afros), em patrimônio imaterial do estado.

Ivanir dos Santos destaca ainda que muito da intolerância vem do desconhecimento. As religiões de matrizes africanas pregam a caridade e a evolução humana. E assim, fazem parte da cultura do brasileiro.

"Muito já avançamos na aceitação de traços da cultura negra, como os penteados, as vestimentas étnicas, o canto e a dança, como samba. E até mesmo nas festas de réveillon na praia, que têm origem nos ritos africanos de buscar purificação com a água salgada do mar. Não podemos aceitar essa nova onda de demonização das religiões afro e cultura negra. Elas são parte da identidade do povo brasileiro", disse o babalorixá.

G1 entrou em contato com Polícia Civil e aguarda retorno.


FONTE  : G1

Por Alba Valéria Mendonça, G1 Rio

 

 

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