Durante o perverso processo de escravização de 400 anos, sofrido pelo povo negro em terras brasileiras, ocorreu a opressão dos invasores, traficantes de seres humanos portugueses eurocristãos. Eles nos exploraram e nos obrigaram a trabalhar, além de desrespeitar nossas práticas culturais e religiosas. Com isso, fomos forçados a seguir a religião do opressor.
De baixo do chicote, não tínhamos força para negar essas imposições, porque a punição era a morte se falássemos que não éramos católicos. Nas histórias de povos escravizados, o Brasil, incrivelmente, é um dos poucos territórios que o povo preto, depois de se tornar livre, se converteu espontaneamente a religião do opressor. Ou seja, do branco que impôs sua catequese e colonialidade através da força, do assassinato e do estupro.
O tempo passou e contamos com mais 132 anos de escravização não oficial. De saldo, temos o fenômeno religioso gerado pela miscigenação étnica, cultural e religiosa entre indígenas, africanos e eurocristãos. Sendo assim, surge o nascimento da expressão religiosa Candomblé e Umbanda.
Na Umbanda, a fé cristã se manteve como insígnia da prática religiosa e ritualiza. Porém, os tempos passaram e permaneceu a necessidade dos escravizados em dizer que o orixá africano era um santo católico.
É preciso repensar porque mantemos essa prática já que não somos mais obrigados à ela. É importante estudar a história das nossas mitologias e entender que é impossível que São Jorge seja Ogúm, que Santa Bárbara seja Iansã por uma questão, muito simples e cronológica.
São Jorge e Santa Bárbara são santidades fortes e devem ser respeitadas, mas eles passaram no mundo, a menos de dois séculos. Diferentes de Ogúm e Iansã, que já existem em Irê e Irá na Nigéria, à mais de 10 mil anos, como provam os laudos arqueológicos.
Descendemos de povos originários indígenas, que existem nas Américas a mais de mil anos e dos povos africanos, os mais antigos da humanidade. Não podemos continuar insistindo nesse racismo religioso que nos impõe um altar com imagens brancas.
Como alguns terreiros ainda não possuem a atitude de exibir corpos negros como referência sagrada, o racismo segue por dentro da religiosidade. As pessoas insistem em imagens de pombas giras e iemanjás brancas. Propagam que a data comemorativa dos santos católicos são iguais dos nossos orixás, mas não são.
Dia de orixá é todo dia. Nossas lebaras, Iabás e Oborós são negros. A cultura na qual eles nasceram trazia a pele negra. Como nos ensina a vovó Joana da Angola: não adianta chegar no terreiro, falar com o preto velho, caboclo, sair de lá e discriminar um negro ou indígena.
Essas pessoas podem ser descendentes diretos ou fazer parte da árvore genealógica daquela mesma preta velha, cabocla que a pessoa acabou de se consultar e ser fortalecida.
Sem racismo, mais amor e conhecimento das histórias dos povos indígenas e africanos na prática da nossa afroreligiosidade brasileira.
FONTE: FLAVIA PINTO .
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